segunda-feira, 22 de junho de 2009

Carta a Elvis: Deus e a Cultura Pop

Caro Elvis (*),


Recebi o seu e-mail comentando sobre a matéria de capa da Revista Época de 12/06/09, que diz que “Deus é Pop”. Seu entusiasmo foi tanto que eu não pude resistir em te responder, para refletirmos juntos sobre algumas das implicações que esse assunto nos traz como povo de Deus.

Quando li o seu e-mail, imediatamente lembrei que, quando éramos adolescentes no bairro do Ibura, periferia de Recife, ficávamos discutindo letras de músicas que gostávamos, e uma delas era “O Papa é Pop”, dos Engenheiros do Hawaii. Recordo-me até do dia em que chegamos à conclusão de que Humberto Gessinger (autor da letra) fez um trocadilho entre pope, palavra inglesa para “papa”, e pop. Foi um deleite só! “Ele fez uma aliteração!”, conclui você todo orgulhoso, depois que saímos de uma aula de gramática sobre figuras de estilo. A gente até achava que os católicos achavam essa música uma blasfêmia contra Sua Santidade. Mas você dizia: “Os católicos são muitos rígidos. Que problema há em ser pop”?

Não me senti surpreendido pelo fato de você ter achado legal a matéria de Época. Você sempre foi mais “mente aberta” para esses assuntos do que eu (inclusive lembro-me de como você ficou chateado com o pastor de nossa igreja quando ele não permitiu que você cantasse um funk gospel no culto jovem – e você ainda estava com um lenço na cabeça!). Você dizia que eu era “quadrado”, “conservador”, e outros adjetivos que não gosto muito de lembrar. Dizia ainda que eu era “da turma dos véio [sic]”, somente porque eu não gostava de muita agitação nos cultos, mesmo que fossem “cultos jovens”. Sempre falei pra você que o culto é para agradar única e exclusivamente a Deus, e que, sendo assim, os “terceiros ficam em segundo plano” (desse tipo de trocadilho você não era muito fã!).

Você vibrou com as estatísticas levantadas pelo instituto alemão Bertelsmann Stifung, que diz que 95% dos brasileiros entre 18 e 29 anos se dizem religiosos e 65% afirmam que são “profundamente religiosos”. “Isso é um avivamento”, concluiu você entusiasmado. Acho que você não prestou muita atenção numa coisa: a pesquisa fala de jovens que se dizem religiosos, o que não significa que necessariamente sejam crentes (confessos, pelo menos) em Cristo. E ainda que fossem, vale ressaltar que nem sempre os números dizem muita coisa. Sei que na igreja primitiva, por exemplo, havia conversões em massa (At 2.41; 4.4). Mas também havia os entusiastas da fé, como no ministério do próprio Jesus (Jo 6.60-66; Mt 16.22) e dos apóstolos (At 5.1-11; 8.13-21). Você acaba esquecendo, por vezes, de que o joio se infiltra no meio do trigo, e considera a superlotação dos templos uma prova da atuação do Espírito. Quando conversávamos sobre os grandes avivamentos da história da Igreja, você fazia questão de jogar na minha cara os grandes despertamentos decorrentes da Reforma. Em contrapartida eu te lembrava das palavras de Jonathan Edwards, ele mesmo um grande avivalista, de que há sempre autenticidade e falsidade nos avivamentos; de que há elementos divinos e humanos operando juntos, e que, por isso, é preciso muito discernimento espiritual para separá-los.

Fiquei sabendo que ultimamente você tem freqüentado uma comunidade dita “emergente”. Talvez seja por isso que você defende tanto a ideia de que a igreja deve se conformar ao mundo, e não o contrário. Lembro-me de que você costumava cantar “eu não vou me adaptar”, dos Titãs, para se referir ao seu enquadramento na igreja da qual éramos membros. Como era difícil tentar te convencer de que não devemos nos conformar a este mundo, mas transformar-nos pela renovação de nossas mentes, para podermos experimentar qual seja a boa, perfeita e agradável vontade de Deus para as nossas vidas (Rm 12.1, 2), e que a amizade com o mundo é inimizade contra Deus (Tg 4.4; 1Jo 2.15-17). Você cita um trecho da matéria que fala que “é entre os evangélicos que surgem mais propostas de igrejas flexíveis”, o que fomenta mais ainda a ideia de um Deus pop, como você mesmo fez questão de assinalar. Pra você isso é sinal de que, finalmente, estamos aprendendo a evangelizar, o que, para mim, é sinal de que a igreja está negociando valores inestimáveis. Em uma coisa, pelo menos (pra você não dizer que não falei das flores!) estamos de acordo: de que esse negócio de igrejas para gays é contrário à Bíblia (a gente costumava dizer que “Deus não criou Adão e Ivo”!).

A assertiva da antropóloga Regina Novaes de que “a internet virou um templo” faz todo sentido pra você, que não vê mais o congregar-se como algo essencial. “A igreja somos nós, as pessoas”, você vocifera. Sou ciente dos benefícios que a internet pode trazer ao povo de Deus. Eu mesmo sou bastante edificado com sites e blogs que leio e com pregações que ouço e faço download. Entretanto, cabe lembrar, querido Elvis, de que a Bíblia nos recomenda a que não deixemos de nos congregar (Hb 10. 25). A igreja é insubstituível! Além do que, garanto que você não poderá fazer download do pão e do vinho, elementos da Ceia do Senhor, e não poderá tomá-los juntamente com outros internautas. Pense nisso.

Despeço-me dizendo que, a despeito de nossas discordâncias, ainda tenho você em grande estima. Minha esperança é que você possa refletir um pouco nas questões acima expostas. Quanto à máxima de que “Deus é Pop”, bem... Continuo preferindo dizer que “Deus é Deus”!


Um grande abraço!

Leonardo.

__________________________________________________________________

(*) Elvis é um nome fictício, bem como alguns detalhes. As circunstâncias, porém, são reais.

Todas as alusões à matéria de Época foram retiradas do site da revista (http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI77084-15228-2,00-DEUS+E+POP.html).

0 comentários: